top of page
Buscar

História de Senhor do Bonfim e do Alto da Maravilha

  • Foto do escritor: Artur Alves
    Artur Alves
  • 13 de nov. de 2022
  • 5 min de leitura

Para compreender a história do Alto da Maravilha é preciso fazer uma viagem no tempo, sem esquecer que a região que hoje compreende o município de Senhor do Bonfim era ocupada por povos originários, os Quiriris. No entanto, o primeiro registro histórico data de 1697, quando foi instalado o Arraial da Missão de Nossa Senhora das Neves do Sahy pela Ordem dos Padres Franciscanos, com o objetivo de catequizar os indígenas da região. Até hoje a Missão do Sahy (hoje um distrito) é considerada a mãe de Senhor do Bonfim, pois como contam os mais velhos, foi lá que tudo começou. Naquele período, muitos indígenas foram escravizados para trabalhar em fazendas de gado e os que resistiram foram exterminados. Já os que foram submetidos à catequização, tiveram os seus modos de vida, ritos e costumes aniquilados pelo modo de viver dos colonizadores.

Naquela mesma época, nas margens de uma lagoa, começaram a se instalar bandeirantes que seguiam em direção ao Rio São Francisco ou às minas de ouro de Jacobina. A presença de água, a fertilidade das terras e o clima ameno em meio ao sertão tornavam o lugar ideal para descanso. A região era tão boa, que muitos bandeirantes acabaram se fixando por ali, dando origem ao segundo núcleo de povoamento da futura cidade de Senhor do Bonfim. Com o aumento do número de casas, o povoado foi chamado de Arraial do Senhor do Bonfim da Tapera em 1750 e em 1797 foi elevado à categoria de vila, sendo chamado de Vila Nova da Rainha, em homenagem à Maria I que gostou do clima ameno da região. Mais tarde, em 1885, foi elevada à categoria de cidade, com o nome de Bonfim. Um marco importante na história da cidade se deu com a inauguração da estação ferroviária em 1887, fazendo parte da Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco, que ligava Alagoinhas-BA a Juazeiro-BA.

Na formação histórica de Senhor do Bonfim merece destaque também a resistência das comunidades remanescentes de quilombo, em especial Tijuaçu, que se originou no começo do século XIX quando, segundo seus moradores, a partir da fuga de três mulheres negras, escravizadas, de uma senzala do recôncavo baiano, que após o longo percurso encontraram um lago para descansar, onde permaneceu Mariinha Rodrigues que deu origem a toda história da população local. Ela foi uma grande estrategista e, para garantir a ocupação das terras de Tijuaçu, ocupou o território fundando comunidades localizadas ao redor do quilombo como estratégia de proteção e em cada uma colocou um filho.

Tijuaçu teve forte relação e influência com povos indígenas, principalmente por estar na rota de migração de indígenas que saíam de Feira de Santana-BA, para Missão do Sahy, sendo que muitos deles acabaram ficando por lá. Essa influência é revelada até no nome da comunidade, que inicialmente era chamada de Lagarto, e em 1940 passou a chamar-se de Tijuaçu, nome de origem indígena que significa lagarto grande.

Desde a época da formação, Tijuaçu sempre sofreu com a ausência dos serviços públicos para a comunidade, revelando a ausência do Estado na comunidade. Foi nesse contexto que surgiu sua mais forte manifestação cultural. As mulheres de Tijuaçu, ao irem buscar água com a lata d’água na cabeça, paravam para descansar na sombra dos pés de barriguda e batiam nas latas tirando versos, nascendo assim o Samba de Lata. Somente com a mobilização influenciado pelas ideias do movimento negro a partir da década de 1990, bem como com apoios externos, como o professor Ivomar Gitânio e representantes da Fundação Cultural Palmares se iniciou uma trajetória de conscientização e luta pelos direitos constitucionais, culminando com a certificação da comunidade como remanescente de quilombo em 2005.

Todos esses fragmentos da história de Senhor do Bonfim se relacionam também com o Alto da Maravilha, como vamos ver agora. Falando da localização, o Alto está encravado nas colinas que fazem parte da cordilheira da serra do espinhaço, de onde corriam as águas que formavam a lagoa onde se fixaram os bandeirantes na formação de Senhor do Bonfim. É do Alto da Maravilha que se tem acesso a trechos da Estrada Real que interligava Bonfim a Missão do Sahy e, em seguida, a Jacobina. O Alto da Maravilha também é cortado pelo ramal da ferrovia que passa pela Missão do Sahy. Esses fatos, dão destaque ao Alto da Maravilha como um lugar relacionado aos principais fatos históricos da formação de Senhor do Bonfim.

Entre esses fatos expostos, talvez a presença da ferrovia seja o que mais influenciou a formação do Alto da Maravilha. Isso porque o bairro se constituiu a partir de pessoas (em grande maioria negras) exploradas na construção da Estrada de Ferro Bahia ao São Francisco, que se fixaram na parte mais alta e periférica da cidade, às margens da ferrovia e também de negros que trabalhavam nas fazendas da Serra da Maravilha.

Desde aquela época o racismo já impactava o Alto da Maravilha. Em jornais antigos era descrito que quando o trem passava na localidade os passageiros agiam com chacota contra os meninos negros do Alto da Maravilha que corriam atrás do trem; o pai de santo Alexandrão foi preso diversas vezes por deixar oferendas na beira da linha do trem; e o fato das pessoas dos bairros mais nobres terem medo de ir ao Alto da Maravilha corrobora com isso. Vale destacar também que os primeiros serviços 97 públicos implantados na localidade foram 2 cemitérios, obras que não eram aceitas nos outros bairros, o que revela que dispositivos para garantir o direito à saúde, educação e segurança ali não eram implantados, apenas os cemitérios que não podiam estar situados nos bairros mais nobres da cidade.

Apesar da violência histórica do racismo, no Alto da Maravilha se mantêm até hoje costumes afro-brasileiros, como a prática do Candomblé, a presença de carurus de Cosme e Damião, as danças de rodas (em especial a Roda do Palmeira), os blocos de samba, as bandas de reggae e as formas tradicionais de cura. Todavia, a maior parte da população desconheceu por muito tempo esse histórico (observe a figura abaixo), até que em 2007, através da luta popular de lideranças comunitárias, todas mulheres, o bairro foi reconhecido como Quilombo Urbano, conforme Portaria da Fundação Cultural Palmares. Vale destacar que no Alto da Maravilha moram muitas pessoas oriundas de Tijuaçu e que a trajetória de luta pelo reconhecimento de direitos que aconteceu naquela comunidade segue inspirando a atuação da Associação Quilombola da Comunidade Urbana Alto da Maravilha e Adjacências (AQCUMA).

ree

Os materiais que apoiaram a construção desse texto foram: Lima(2011); Machado (1993); Machado (2007); Souza (2013); Souza e De Souza (2021a); Souza e De Souza (2021b).

CARVALHO, A. S. Concepções sobre segurança alimentar e nutricional pelos quilombolas da comunidade de Tijuaçu, Bahia: uma abordagem etnográfica sobre o PAA. 2010. 144 p. Tese (Mestrado Profissional em Saúde Pública) - Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães, Fundação Oswaldo Cruz, Recife, 2010.

DA PAZ; G. M. Colégio Estadual de Missão do Sahy: os olhares de uma escola sobre um antigo aldeamento. 2004. Tese (Mestrado de Educação) – Université du Québec à Chicoutimi, Quebec, 2004.

DA PAZ, M. G.; PAIVA, M. M. Memórias e práticas religiosas de senhoras remanescentes de Missão do Sahy, no Piemonte da Chapada Norte da Diamantina, Bahia, Brasil. In: Congresso Luso-Brasileiro de História da Educação, 7. Anais. Porto, 2008.

LIMA, V. L. S. C. Oralidade, memória e tradição: constituintes das identidades negra e quilombola do povo de Tijuaçu. 2011. 105 p. Tese (Mestrado) – universidade do Estado da Bahia, Alagoinhas, 2011.

MACHADO, P. B. Notícias e Saudades da Villa Nova da Rainha, aliás, Senhor do Bonfim. 1. ed. Salvador: UNEB, 2007. 217 p

SOUZA, L. D. A. S. Missão do Sahy: Hãm ha Topa, yãymaih xix ayuhuk (Terra de Deus, índios e não-índios). 2013. 129 p. Tese (Mestrado) – Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2013.

SOUZA, L. D. A. S.; DE SOUZA, K. P. Múltiplas Vozes e Múltiplos Sentidos do Pertencimento Étnico: estudo de remanescentes indígenas Kiriris e Payayás. Educação, Escola & Sociedade, v. 14, n. 16, p. 1-26, 2021a.

SOUZA, L. D. A. S.; DE SOUZA, K. P. Terra de indígenas e não indígenas: um olhar sobre os descendentes Cariri e Paiaiás da Missão do Sahy. INTERFACES DA EDUCAÇÃO, v. 12, n. 34, p. 532-560, 2021b.

 
 
 

Comentários


aqcuma.jpeg
sus-logo.png
saude-da-familia.jpg
profsaude.png
ufrb.png
unvas.png
bottom of page